Este texto não é sobre ciência climática nem é sobre transição energética em geral. Mas antes de começar, é preciso esclarecer três pontos:
Precisamos de uma transição energética urgentemente. A janela de ação está a fechar-se, e restam-nos poucos anos para mudar o sistema energético de uma forma profunda.
Não está a ocorrer nenhuma transição energética (nem justa nem injusta). Se tudo correr bem com os compromissos assumidos pelos governos, o suposto maravilhoso aumento das energias renováveis não atingirá nem 20% de toda a energia consumida no mundo em 2035. Apesar de todo o marketing verde, a verdade é que os governos não estão a fechar infraestruturas de combustíveis fósseis, e continuam a planear construir novas.
Entender que não está a acontecer nenhuma transição energética é importante, porque quem diz que tudo está bem di-lo de forma puramente ideológica, porque não se baseia na realidade dos factos. A narrativa sobre um possível crescimento verde, em que o mercado capitalista e o um planeta habitável seriam compatíveis, não só desmobiliza as pessoas mas também cria um défice de ambição nos movimentos sociais.
O que me leva ao terceiro ponto: nós temos de fazer esta transição acontecer. O que está em causa não é a escolha entre uma transição justa e injusta, mas sim entre uma transição justa e o caos climático.
E para fazer isso acontecer, temos de tornar as alterações climáticas num problema das pessoas. Esta é a problemática em que se foca este texto: como tornar a luta pela transição energética uma luta concreta nas vidas das pessoas.
Vou focar-me particularmente nos trabalhadores e nos sindicatos.
Formas de intervenção sindical
Há duas formas de intervenção sindical pela transição energética:
Em primeiro lugar, como trabalhadores integrais (whole workers), ou seja, como membros da classe trabalhadora e não só como empregados duma empresa. Este tipo de intervenção é bastante comum em Portugal.
Este é um assunto ligado diretamente às vidas dos trabalhadores e comunidades, e os sindicatos têm já uma longa história de intervenção social e política muito para além dos conflitos dentro das empresas. Alguns exemplos bem conhecidos são a luta pela paz (e contra o NATO), a campanha contra a privatização da água liderada pelo STAL, e a intervenção contínua pela igualdade de género.
As lutas sindicais envolvem também uma forte componente de influência sobre, e confrontação das políticas do governo, como a campanha contra a precariedade ou as discussões do orçamento do estado. Neste caso também, a intervenção dos sindicatos vai além das negociações imediatas nas empresas e assume uma visão geral sobre o rumo que a sociedade está a tomar.
Em segundo lugar, existem trabalhadora/es em sectores de atividade nas linhas da frente da crise climática. Energia e transportes são os sectores-chave na transição energética, onde se vão perder alguns empregos e serão criados muito mais postos de trabalho. Principalmente nos transportes públicos e energias renováveis, estudos preveem um volume de empregos várias vezes superior ao que a indústria petrolífera oferece. Por outro lado, a/os trabalhadora/es nas áreas da floresta, agricultura, saúde pública e o combate aos fogos são quem confronta diretamente os impactos das alterações climáticas. As organizações laborais desta/es trabalhadora/es são altamente relevantes para alertar a sociedade e mostrar o caminho certo.
Empregos para o Clima como estratégia
Para articular a justiça social e a justiça climática, temos a campanha Empregos para o Clima, que alia os sindicatos e as organizações ambientais. Nós vemos a campanha não como aquilo que deve acontecer, mas sim como aquilo que vamos fazer acontecer.
A campanha, como estratégia, apresenta uma série de forças.
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É uma proposta concreta e positiva, à qual dizer “Sim”, o que nos coloca numa posição ofensiva (em vez de defensiva).
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Fala sobre transição justa e aborda os trabalhadores e comunidades que neste momento dependem da indústria petrolífera para sobreviver.
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Junta ambientalistas e trabalhadores, quebrando o falso dilema entre trabalho e sustentabilidade.
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Reivindica dezenas de milhares de novos empregos dignos.
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Apresenta uma verdadeira solução para a crise climática.
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Assume uma ótica de serviço público; vê e defende o clima como um bem comum.
Táticas e experiências
Com estas vantagens estratégicas, passemos então a exemplos de alianças bem-sucedidas e intervenções sindicais no mundo. Tentarei também fazer algumas pré-propostas de como concretizá-las em Portugal.
Tal como na primeira secção, vou classificar os exemplos como intervenções de trabalhador integral, ou intervenções dos trabalhadores nas linhas da frente.
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No País Basco, os sindicatos analisaram a situação do fracking (extração de gás fóssil por fratura hidráulica) e responderam não só como trabalhadores mas também como defensores da comunidade. Assim, lideraram a luta contra o fracking em conjunto com várias outras organizações, e tiveram várias vitórias. Um caso semelhante poderia ser tentado na zona da Batalha/Pombal, onde uma concessão de petróleo e gás traz o risco da fratura hidráulica à região, ou no novo projeto de gasoduto entre a Guarda e Bragança, que não trará nenhum emprego mas apenas uma estrada para gás fóssil.
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Em França, os sindicatos da plataforma Emplois-Climat (Empregos-Clima) mobilizaram as pessoas contra a lei laboral que visa precarizar ainda mais as condições de trabalho. Assim, os sindicatos usaram a campanha como uma proposta contra a precariedade. Em Portugal, no 2º Encontro Nacional pela Justiça Climática, a campanha organizou uma sessão sobre precariedade com a participação da CGTP-IN em que foi tentada a mesma abordagem.
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Em Noruega, os sindicatos e ambientalistas juntam-se no desfile do 1º de maio. Em Lisboa e no Porto adotámos a mesma prática: a própria campanha em Portugal foi lançada no 1º de maio de 2016.
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No Reino Unido, o sindicato dos funcionários públicos, Public and Commercial Services Union, tem um papel muito ativo na campanha One Million Climate Jobs (Um Milhão de Empregos para o Clima). O sindicato defende um Serviço Nacional do Clima, que incluiria os empregos para o clima mas também toda a estrutura de função pública que manteria esse serviço. Em Portugal, os sindicatos destes sectores têm uma enorme oportunidade de intervenção neste sentido.
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Em Nova Iorque, depois do furacão Sandy, os movimentos não deixaram o assunto das alterações climáticas sair da agenda pública. Mais recentemente, os sindicatos assinaram um acordo com o governador para a criação de milhares de empregos para o clima no sector da construção e conversão de edifícios. Em Portugal, as secas e os incêndios poderiam também servir para despertar o mundo para a crise climática. Com uma articulação bem-pensada, os trabalhadores destas áreas poderiam ser os lideres duma transição justa nacional.
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As campanhas Empregos para o Clima em todos os países participam e influenciam as manifestações pelo clima. Em Portugal, até agora, a campanha não foi além da participação ativa, e pode tomar um papel mais envolvido.
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Na Noruega, a campanha Bridge to the Future (Ponte para o Futuro) preparou um compromisso eleitoral para as legislativas em que uma das reivindicações essenciais foi criação de empregos para o clima.
Depois destes casos em que ambientalistas e sindicalistas utilizaram a campanha como uma ferramenta para intervenção em várias áreas, passemos então aos exemplos das linhas de frente.
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No Reino Unido, a campanha One Million Climate Jobs ganhou enorme visibilidade quando a empresa Vestas quis encerrar um campo eólico. Os trabalhadores e os ativistas convocaram uma ocupação das turbinas, em defesa dos postos de trabalho e do clima ao mesmo tempo. Em Portugal, os transportes públicos (ou a falta deles) poderia facilmente dar espaço a alianças semelhantes.
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Na África do Sul, os mineiros de carvão envolvidos na campanha One Million Climate Jobs rejeitam as chantagens do governo e os despedimentos. Em vez de entrar em conflito com os ambientalistas, os sindicatos apoiam e defendem a campanha como a solução para uma transição justa, e assim contam com o apoio também dos movimentos climáticos.
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No Reino Unido, cada vez que uma tempestade atinge o território e várias cidades são afetadas por cheias e inundações, o sindicato dos bombeiros alerta sobre as alterações climáticas. O sindicato sublinha que se não agirmos a tempo de reduzir as emissões, nunca teremos bombeiros suficientes para responder às crises futuras. Uma abordagem semelhante poderia ser explorada com os bombeiros e guardas florestais nas situações de incêndios florestais, cada vez mais fortes e frequentes.
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Em Nova Iorque, o sindicato dos trabalhadores da construção defende a eficiência energética nos edifícios e a criação de empregos para o clima neste sector.
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A International Transport Workers’ Federation (Federação Internacional dos Trabalhadores de Transportes) oferece uma formação interna sobre crise climática e empregos, dirigida aos trabalhadores dos transportes.
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No Reino Unido, o sindicato dos funcionários públicos, Public and Commercial Services Union, propõe formação de requalificação profissional como reivindicação na contratação coletiva. Por exemplo, trabalhadores duma refinaria de petróleo podem exigir formação sobre energias renováveis como parte das negociações coletivas. Assim, pode-se responder aos desafios da gestão da transição energética e os trabalhadores poderão estar melhor preparados.
Para tirar as lições destas experiências e preparar táticas e ações em Portugal, precisamos, em primeiro lugar, de mais contacto e coordenação na campanha Empregos para o Clima. Melhor e mais forte comunicação pode criar a base para colaborar enquanto campanha na preparação de ações conjuntas. Assim, os sindicatos e os movimentos ambientais podem ganhar mais força na luta contra a precariedade, contra a exploração de petróleo, contra as privatizações, pelo emprego digno e pela transição energética.